COVID-19: Economia em Quarentena

O surto do COVID-19 forçou os governos a colocarem o mundo em uma pausa sem precedentes, por ao menos três meses, para achatar a curva do contágio.  Em dezembro de 2019, ao escrever nossa última perspectiva econômica e dos mercados de capitais, O que esperar em 2020-21: Defender o crescimento a todos os custos, não sabíamos que o título seria um agouro tão potente. Desde janeiro, o impacto do surto tem se desdobrado de um choque no abastecimento centrado na China, que enviou ondas de choque no comércio global e desestabilizou cadeias de fornecimento, a um derretimento generalizado nos mercados financeiros, conforme os investidores entenderam o caráter inevitável da recessão, a um choque de demanda violento e prejudicial ao consumo e investimento na China, Europa e nos EUA.

Formuladores de políticas públicas adotaram medidas extraordinárias em uma época fora do comum para achatar a curva da recessão. No contexto central, esperamos uma recessão global acentuada no primeiro semestre de 2020 na grande maioria das economias desenvolvidas e emergentes, seguida de uma recuperação em forma de U. Do 1,1 trilhão de euros do BCE e as provisões de liquidez de 1,5 bilhões de dólares do Fed, às respostas fiscais de favorecimento de empresas no mundo todo fornecendo 0,5-1,2pp de auxílio de crescimento, dependendo do país, o objetivo foi suportar a crise no fluxo de caixa, evitar uma crise de liquidez mais grave e proteger a rede. No entanto, o custo do isolamento social pode chegar a um choque de 20-30% para cada economia por um mês, se aprendermos com a situação chinesa. Além disso, o custo de uma disrupção de trimestre inteiro para o comércio global deve chegar a 772 bilhões de dólares conforme os EUA e a UE adotam medidas de isolamento social fortes, incluindo severas restrições nas fronteiras. A recuperação, iniciada no segundo semestre, certamente será proporcional ao choque, com superação inflacionária temporária.

Para mercados de capitais, ainda vai piorar antes de melhorar. Para as empresas, prevemos que as insolvências aumentarão em +14% em todo o mundo em 2020. Os mercados ainda não estão precificando levando em conta o fluxo de notícias negativas, com o isolamento social afetando 3/4 do PIB mundial. Prevemos que a volatilidade de curto prazo derrubará os mercados de ações em mais 10 a 20%, uma correção negativa de 30 a 50 pb nos rendimentos soberanos a longo prazo e uma trajetória crescente de 100 pb nos spreads de grau de investimento em crédito corporativo. Entretanto, esperamos que os mercados de capitais revertam as perdas gradualmente até o final do ano, à medida que a credibilidade dos formuladores de políticas e a recuperação em forma de U se desdobrarem. Quanto às empresas, 2020 será o quarto ano consecutivo de aumento nas falências e, embora os governos se comprometam a fazer o que for necessário para evitar desemprego e inadimplência, é muito provável que haja uma onda de insolvências quando os negócios recomeçarem.

O que poderia dar errado? Há três canários na mina de carvão: tensionamento corporativo, liquidez e erros de política. Além disso, também temos um cenário alternativo de uma crise econômico-financeira prolongada devido a uma crise de saúde de 12 a 18 meses (com possível reinfecção). Em relação a riscos negativos, as movimentações de queda acentuada nos preços em mercados de bens e ações gerariam um tensionamento da liquidez e eventos de crédito, desvelando fraquezas fundamentais na economia global como em 2008-2009, incluindo um tensionamento substancial, nos mercados de títulos corporativos. Preste atenção no risco de que se cometam erros nas políticas públicas: conforme os bancos centrais e secretarias do tesouro fornecem um apoio monetário sem precedentes, o risco de recaídas é elevado. Esse cenário significaria uma recessão que se estenderia para 2021, e uma recuperação em forma de L com monetização da dívida, problemas sistêmicos com ações/créditos/liquidez e ações mais diretas por formuladores de políticas públicas que trariam disrupções para os mercados nos próximos anos, com certa dificuldade em reaquecer os motores.

Muito cedo para tirar lições? A crise COVID-19 certamente mudará a maneira como vemos investimentos em saúde e definimos o capitalismo inclusivo; o soft power da China; globalização; a luta contra a mudança climática, outro desafio exponencial, probabilístico e coletivo que temos à frente, e talvez a maneira como economizamos para lidar com eventos graves.